"Fiquei tão só, aos poucos. Fui afastando essas pessoas assim menores, e não ficaram muitas outras. Às vezes, nos fins de semana principalmente, tiro o fone do gancho e escuto, para ver se não foi cortado. Não foi."

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Para alguém que sempre suportou As Horas depois de tudo e pediu que voltasse. Sinto não superar qualquer anseio. Para você, Dearest.




Primeiro, peço perdão. Quero apenas que as coisas aconteçam, sem premeditar o que está por vir. Quero me deixar fluir, límpida e fresca, como esta manhã de junho.
Preciso do perdão para ser o que irei ser, pois me abandonei friamente durante este percurso. Que Deus tenha misericórdia de minha alma. Deus! Deus olhe por mim que recorro a vós. Não quero cometer o grave erro de me encontrar viva sem ter a certeza de que realmente estarei vivendo. E, para isso, preciso isolar-me. Preciso ficar só.
Que o que venha a partir de agora seja pura obra do acaso.

Esperei tanto tempo por este momento que não sei como aproveitá-lo. Oh! Deus! Ajude-me a controlar toda essa euforia que me move neste momento. O que fui até aqui está para trás como uma lembrança quase apagada. Fui uma foto que com o tempo borrou-se e não reconheço os detalhes. Só agora tenho a liberdade em minhas mãos pronta para voar e preencher-me. Estou livre e só então pude ver com clareza que a liberdade me era necessário. Com o tempo aprisionei-me a um não-eu que considerava melhor, e só agora me ocorreu que tenho necessidade de ser-me por completo. É como fome, como respirar: não se pode abster-se do essencial. Para reviver, agora me deixo ser.
Preciso, para meu bem, dar um sentido a tudo isso que os outros chamam de vida. Receio não ser boa o bastante. Receio ser a minha última esperança e esta já estar morta. Cometi tantos erros que não sei se vão me perdoar. Mas é o que eu pude fazer com isto que me deram. Não me ensinaram a viver, assim como se ensinam as crianças a ler. Não, pelo contrário: tudo que tive até aqui foi pura descoberta, num açoitamento violento do meu próprio ser. Ainda assim, não sei me definir. Não sei dissolver-me até a última partícula e nela encontrar o segredo por ser o que sou. Acho que me perdi em algum momento, e que só agora me ocorreu à idéia de que o que eu era, agora, não é mais; e o que sou é insuficiente e insípido ao outro. Porém, ainda preciso me encontrar. Preciso me encontrar para poder achar em mim o que preciso dizer.

Sei que a palavra está dentro de mim e me aguça por completo, mas não sei como dizer-Te. Tenho vergonha de dizer-Te. Tenho medo de dizer e no momento da palavra dita, a cada letra, se esvaia o sentimento que agora me consome. É assim: as letras escorregam pela minha boca, formam as palavras e, como fumaça, elas instantaneamente se dissipam no ar até que não existam mais e eu não tenha mais nada a dizer. Preciso conter-me para não assassinar o sentimento previamente. Preciso dele vivo, pois só assim consigo viver também. Ah! Deus! Como quero viver!
Mesmo temendo não ser boa o bastante para fazer jus ao que me aconteceu, preciso dizer-Te.

Os dias sempre são bonitos quando dedicamos a eles um olhar contemplador. Tudo pode ser melhor quando deixamos a indiferença de lado. Aceitando o dia por completo ele também nos aceitará com mesmo ardor. Eu me rendi suavemente a mais um nascer do sol. À medida que despontava no horizonte, espichava-se, e cada braço formado por luz amarelo avermelhado alcançava um ponto que se estendia continuamente como uma rachadura numa parede. Alongava-se no azul-negro do céu, clareando-o; nascia em mim um leve calor que se expandia calmamente, sem pressa. Eu nascia de pura luz. Para tecer uma vida é preciso ter paciência. Então o dia me fazia pouco a pouco, e eu me entregava ao desconhecido, sem medo.

A praia ainda fria, ondas suavemente lambiam a areia com a perfeição de uma sinfonia. O som alastrava-se ao longo da orla ecoando por todo o corpo de areia que se estendia a perder-se de vista. Em minha pele, a brisa ouriçava os poros. Minha boca era tomada pelo sabor do sal que a brisa trazia. Notei que o sol majestosamente erguera-se. Por um tempo havia me perdido em pensamento que não se descreve, apenas se sente. Inspirei profundamente, querendo que todo aquele cenário entrasse em meu corpo, completando-me. “É possível”, pensei. O dia me parecia possível. A vida se fazia possível porque naquele momento eu estava entregue. Pareceu-me que, antes mesmo do mundo ser mundo, meu coração já pulsava. E, quando na rebentação fez-se matéria o que era só cosmos, eu explodi em êxtase: meu peito pulsou ferozmente, houve uma pausa e eu - por não ter alternativa - aceitei o peso da vida...
[ ]

Calmamente caminhei até a rua. A brisa me levava, pois tão leve me sentia. Em meu peito as ondas ressoavam. Eu queria viver; eu queria amar. Eu podia amar.
Os passos construíam um caminho que a mente desconhecia: deixei-me vagar pelas ruas. Carros passavam apressados; homens com suas armaduras engravatadas aprontavam-se para o trabalho. Um barulho de uma porta se abrindo aqui e ali; sapatos marchavam contínuos; mulheres com saias longas murmuravam pequenas frases fazendo um chiado interrompido em três tons. Padarias exalavam o cheiro dos pães ainda quentes. Tudo era tão fresco, tão vivo. As ruas tomavam vida, cores, cheiros, sons... Tudo se mesclava de maneira tão perfeita que se podia até pensar que era feito sob orientação de um maestro. A cidade nascia. Sentia-me feliz por fazer parte daquele momento e o momento em mim era pura descoberta. Aproximando-me da catedral, o relógio aprontava-se para soar. Eram quase nove horas da manhã e não tinha me dado conta do tempo. Estava em êxtase.

“Ah! Meu Pai, que estranheza é essa que sinto agora? Sinto meu peito pulsar estranhamente de puro prazer. Parece que o mundo pairou sobre ele, então seus batimentos aceleraram tanto que sinto viver pelo mundo que até então desconhecia. Será preciso conhecer o mundo primeiro, para só assim começar a me fazer gente? Comecei a entender o mundo e não me dei conta? Será que estive errada neste breve tempo, pensando que eu precisaria conhecer-me primeiro para só então doar-me por completo ao desconhecido? Que erro grave! Não posso enganar-me, pois me enganando, estarei enganando também a Deus - e isso é um pecado imperdoável.”

A primeira badalada soou um tanto dura. A segunda me fez parar. A terceira e quarta senti frio. A quinta e a sexta causaram-me medo. A sétima e a oitava fez meu coração pulsar descompassado. A nona apavorou-me. Tudo que havia de bom fora interrompido naquele momento. O dia não me parecia mais seguro. Fiquei estática. Olhava ao redor e as pessoas me olhavam de volta com mesmo espanto. Fechei-me por completo. Estava sozinha e a solidão corria em minhas veias com mesma velocidade que os pensamentos se ramificavam em meu cérebro. Tentei mover-me, mas foi inútil. Tentei falar, mas não tinha voz. A cidade que nasceu também lentamente, agora me consumia. Estava presa a uma planta carnívora que se fechava, sufocando-me. A vida mostrou-se pálida e tudo o que sentira antes se enovelou em fios de ouro.

De volta ao cenário, pus-me a traçar uma rota que me levaria até em casa. Vagarosamente olhei a rua a minha esquerda. O desconhecido que até então me elevava, agora me jogou ao chão com força superior ao que meus ossos suportam. Movi meus pés com cautela, tudo podia mudar, pensei. As pessoas mudaram. O dia mudou. Não estava mais protegida por aquele espírito desbravador que se aflorara em mim. Preciso proteger-me de mim mesma. Os passos sinuosos traçavam agora milimetricamente o caminho já conhecido. Em minha boca o gosto amargo da saliva seca; em meu coração grande aperto o contraía.

Minhas veias pulsam criando um som atordoante. Os prédios crescem ao meu redor: imensas muralhas aprisionam-me ao desespero e isso nunca me fizera mal, já que nunca nascera completamente. A única coisa que lembro é que nasci. Não me lembro se me perguntaram e, ultimamente, não tenho me lembrado de muita coisa – não que isso seja justificativa-, se eu queria nascer. E se me perguntaram e eu disse ‘sim’, desculpe-me, estava equivocada. Não podia imaginar que ao nascer seria encarregada de travar tantas lutas comigo mesma. E que com o outro seria de dureza equivalente, pois o que no outro é desconhecido é também em mim questionamento. Hoje permiti que meu sangue corresse livre, não me dando conta de que estava prestes a cometer mais um grande erro: não se pode viver com tanta veemência quando não se tem assas fortes o bastante para suportar tal sopro. O mal que se esconde atrás do véu que separa esses dois mundos é doce: comi logo o recheio, afogando-me em paixão que se mostrou letal. Não tive cautela ao absorver o dia que começava. Não comi as beiradas feitas com pouco açúcar, quis logo devorar o todo.

“Deus! O que fizestes de mim? O que queres tão arduamente deste corpo? Por que não me destes uma luz para fazer-me compreensível, ao menos, para mim mesma? Por que jogastes tantas pedras em meu caminho, se Tu sabes que não tenho pés fortes caminhar sobre elas? Minhas pernas doem, meu corpo lateja e não me encontro, pois Teu mundo é dimensional mente maior do que eu. Eu sou maior que Eu! Caminho a procura de uma verdade que não sei se vou encontrar. Dói estar viva!
Deus! Tenha piedade! Tu que és tão benevolente, faça para mim um berço para que possa nele descansar, pois já estou cansada de viver e temo não ter vivido tudo que me foi dado.”

Então meu primeiro e mais grave erro foi nascer. Lamento, não queria cometer erros aqui. Mas, pelo que percebo, já cometi o mais grave deles, então terei de continuar mesmo sabendo que o grande erro sou Eu.
A desorientação causada pelo relógio levou-me ao estado letárgico, fazendo-me caminhar ora consciente, ora por puro instinto. As imagens que via eram distorcidas, como se tivesse bebido uísque. Ouvia meus pulmões inflarem com certa dificuldade – talvez por causa do cigarro. Não pertencia àquele corpo, não sobreviveria à descoberta... [ ]

Mas preciso dizer-Te. Todas as coisas do mundo me fizeram mulher e como mulher aceitei o peso que me foi dado. Vivi anos na escuridão que meu próprio ser construiu para não saber da verdade que a tal beleza oculta. Somos frágeis demais para suportar o real. Aquela chama que queima constantemente em nosso interior, mas que preferimos evitar é pesado demais.

Soube que o mundo existe sem mim e que mesmo na minha morte ele ainda continuará, mas o que me causa espanto é não ter a certeza de que meus males também continuarão após a minha despedida, ou cessarão para sempre. Desde o princípio o coração bate em despedida. Então desde que me fiz humana despeço-me sem consciência de tudo que pelas minhas mãos passa; e de tudo que por elas nunca passou nem passará; e de tudo que a vida me fez sentir e tantas outras de que fui privada. Desde o início morro lentamente, suavemente digo adeus, pois não sabendo o dia certeiro de minha morte, a cada dia, faço dele o último e com ultimo olhar - o mesmo que muitos tinham quando foram para as câmaras de gás – lanço-me no cair da noite e que esta tenha piedade de mim que sou fraca. Hoje espero pela noite que se aproxima lentamente. Hoje, na varanda da minha casa, vejo a rua que devagar se ilumina. Estou na ânsia de palavras para trair-me, mas não o farei: aguentarei firme à espera silenciosa do oculto.

Ao longe, ranhuras espalham-se pelo céu. “O tempo passou tão depressa que não tive tempo suficiente para amá-lo. Perdoa-me, Senhor, não o amei o suficiente hoje. Não consegui dedicar-me ao que me deste e de todos os bens, deste-me o mais valioso. Perdoa-me por ser fraca ao ponto de fechar meus olhos ao outro, sendo que no outro está minha redenção. Perdoa-me por ser má e covarde. Por matar o que havia de belo em mim e ainda assim sobreviver. Perdoa-me por ainda sobreviver. E que na crueldade eu me reconheça e nela minha sentença seja dada: indigna de Tu, meu Senhor, agora serei apenas a sombra de Tuas assas e nelas viverei eternamente. Amá-Lo-ei eternamente. Assim seja.”

Vermelhas, alaranjadas, rosadas e azuis, todas as nuances misturavam-se formando o que eu mais temia. Então chegara à hora de ser-me e não podia fugir. Alastrando-se pelo céu, grossa camada negra de nuvem, o encobria. Milímetro a milímetro, meu coração também acelerava. Não podia mais adiar, chegou à hora; chegou a minha hora. Existe um momento para nascer e também existe um momento...

Existe um momento. Um momento onde todas as palavras são desnecessárias e a vida segue além de mim para então ser apenas água correndo sem fim em direção ao oceano. O que precisava dizer-Te, agora, não é mais importante. O dia se esvai, para outro nascer. Todos os mistérios incrustados nesse despertar, toda beleza da vida – mesmo os infortúnios – tem a importância de mostrar-nos o quanto somos privilegiados. Eu, meu Senhor, cesso minha existência para renascer amanhã no primeiro raio de sol a iluminar o céu. E quando nas minhas palavras outrem deslizar os olhos, este saberá que fui a primeira a libertar-me de todas as amarras para viver o que me foi predestinado.

“Serei teu dia e tua noite para cobri-te com meus desejos mais verdadeiros;
meus beijos serão quentes em dias de inverno, para que não tenhas frio;
minha pele o acolherá, e em teus sonhos minha doçura fará com que não tenhas medo.
E quando acordar, meu amor será teu guia,
se assim desejar.”

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011




Você é tão desprezível! Consumida nessa sua história de vida mal contada que nem abre os olhos. O que mais posso esperar de você? - Nada, lógico. Esperar de você é desencarnar ainda vivo. Não posso aguentar isso, não mais. Fiz o que foi possível. Doei o que pude para fazer você sorrir e sair deste velório armado e falso, mas não resolveu nada. Juro. Juro mesmo que tenho vontade de pegar-te pelos cabelos e socar sua cara - já inchada de tanto chorar - na parede até abrir nela algum juízo pós-traumático e fazer-te despertar. E juro, novamente, que neste momento estou me segurando para não fazê-lo!
Veja bem, o que ainda espera desse ritual fúnebre que você se tornou? Ter a compaixão dos seus adoráveis amigos? Aqueles, os mesmos, que agora viajam para Londres? Engraçado, não? Eles lá numa diversão frenética e você aqui: uma coitada! Não querida, não quero que você morra engolindo verdades. Não quero nada de você, nada. Quem tem que querer é você!
Hoje faz cinco meses e meio e você ainda está debruçada nessa almofada, que agora já não é mais azul. Está deprimente. Não a almofada, você! Deprimente porque me dá nojo de olhar essa sua cara de coitada fingida que não sabe ter atitude. Enfiaria a mão nas tuas entranhas e arrancaria todos os seus órgãos pela boca se pudesse.
Você sabia que esse amor inesperado, alimentado de maneira tão intensa, não poderia dar certo. Sei de todos os momentos bons que viveram durante esse tempo... Na verdade, nem sei. Nem sei se foi tão assim, efusivo. Mas imagino que nunca, em lugar algum, você encontrou algo parecido: sentir essa leveza; essa brisa que revela paixões faz com que as razões voem... Sei que numa dessas noites, após notícias chegarem, vocês fizeram planos. Planos são como canetas: às vezes funcionam bem até o fim; às vezes, após um tempo, se negam a funcionar. E a vida é assim! Sei que a comparação é tola – até mesmo, desprezível, assim como o estado em que você se encontra -, mas não pude conter, estava a olhá-la então pensei. Não julgue! Você não pode!

Não posso mais evitar minha revolta em vê-la assim. Pare de ficar lamentando a morte de algo que nunca nasceu. Admita que você não o ama; não suporta a maneira como ele come coxa de frango; que a irrita toda vez que ele diz a palavra “aproximadamente” (“aproximadamente” o quê? Quem precisa falar “aproximadamente”? Pra quê? Dentre tantas palavras o babaca só sabia falar “aproximadamente”? Revoltante, eu sei! Nem eu suportaria ouvi-lo falar “aproximadamente”!) e que não suportava a idéia de vê-lo combinar vermelho com amarelo. Admita que seu amor por ele não é tanto assim! Vamos, diga. Faça um favor aos outros e a si mesma, diga. Diga antes que enfie os dedos em tua garganta e a faça falar mesmo não querendo. Estou cansada dessa sua cara nojenta, com nariz escorrendo e olhos inchados. Nada é pior. Se todos os problemas do mundo se resumissem a dor da perda de alguém que supostamente amamos, estaríamos todos muito bem. Mas é muito pior, pois existe um mundo além deste que você criou e, desculpe-me novamente, muito mal.
Esses sons que você faz quando chora é irritante demais, pare com isso! Toda vez que a vejo chorando tenho vontade de quebrar dedo por dedo seu, a começar pelos seus pés. Já que quer sentir dor, chorar por dor, então terá que sentir dor de verdade, não essa baboseira mal inventada que diz sentir. E, quem sabe assim, você se torne mulher de verdade. Isso mesmo, mulher de verdade. Você não é. Você é falsa. Mulher alguma faria isso que você faz! Tome, fume este cigarro. Melhora, acredite. Se não melhorar, posso fazê-la engolir com brasa e tudo. Fume! Nem isso você consegue? Poupe-me! Vejo que estou desperdiçando o meu tempo. Pessoas como você não merecem nada, nem mesmo a morte. Seria digno demais que você morresse agora. Seria sua apoteose: a coitadinha, deixada pelo marido, morre solitária num sofá, agarrada a uma almofada ex-azul. Sinto muito, mas desejo que você viva muito para primeiro aprender a ser gente.
O quê? Não gosta do jeito que falo? Eu que não gosto desse seu rosto, seu corpo magrelo, sua pele com sardas e esse cabelo ‘a La Marlene Dietrich’. Cafona! Isso mesmo, você é tão cafona quanto o estado que se encontra.

Então, vai levantar deste sofá e reagir, ou vai ficar chorando enquanto ele está saindo com várias putas que realizam as fantasias sórdidas que ele tem? Ele está literalmente gozando de pura felicidade, enquanto você está aqui. Aprenda que nenhum homem a fará feliz enquanto você não se mostrar uma mulher melhor. Homem algum lutará por você a ponto de ultrapassar todas as próprias barreiras para tê-la nos braços, e depois destruir todos os seus sonhos juvenis sobre gostos diferentes, viagens, diversão, aventuras, colocando uma aliança em seu dedo a fazendo mãe de seus filhos - pois no fundo do fundo da alma de ambos, esta é a felicidade que procuram. Nenhum homem irá resgatá-la, então, minha querida, recolha as tranças, pois a história da Rapunzel não cabe a você. Até a Rapunzel tinha atitude, já você...

Não quer mais ouvir? Tudo bem! Já disse tudo que podia para tentar resgatá-la, mas nenhuma ajuda será melhor que a própria.

Acho que chegou a minha hora. Adoraria ficar e assisti-la definhar até não mais existir, mas tenho coisas mais interessantes a fazer. Vou ao salão de beleza. Pretendo mudar um pouco o cabelo, o que acha? Corto ou faço tintura? Bom, sua opinião não me interessa muito! Seu marido e eu... Oops! Quero dizer, seu ex-marido e eu marcamos de jantar hoje à noite naquele restaurante maravilhoso que fica na esquina da minha casa. Você conhece, não é? Pois então, estou animadíssima. Tenho que ir. Fique bem.


terça-feira, 10 de maio de 2011


É estranho.

É monótono.

Sou Eu. Sim, Eu. Eu sou o agora e a idéia de ser o amanhã não me aquece. Não me apetece. Sigo-me no breu que só encontro em mim, e lá você reluz. Lá, você é luz pura de um sentimento. Luz pura de um sentimento. Um sentimento. Um momento, e já não Sou. Perco-me. Encontro-te. Sou, novamente, você. Sou tua luz. Luz que se esgueira no estreito de um relacionamento. No silêncio. No vício. Sobrevive.

Não posso mais, então jogo-me sem perdão no abismo do esquecimento.

Quando tuas mãos tocarem-me assim, lentamente, levantará o silêncio de um olhar, arfante de desejo, corrompido de amor, rasgando-me toda; fazendo-me sua. Então, quando a vida imperar seu grito calado, meus olhos também se calarão em peso de existência. Existo e logo não sei. Não sei. Não posso.

Foi assim: a noite cobriu-nos tenuemente com o véu de estrelas...

Sufoca-me. Deixa-me! Vá! que da vida tomo o cálice e bebo sua glória fingida; que do amor seja dado o último gole. Bebo pensamentos solitários.

Estou agora sozinha, ao lado de uma janela que perscruta o infinito que há do lado de fora de mim. Em meu íntimo, nebulosas guardam o mais puro segredo. Ouço vozes abafadas. Um estranho que habita em meu peito suplica pelo vôo livre. Quero libertá-lo da dor. Viver dói...

Um trago, dois goles, e estarei aí... Onde onde?

Abriu em grossas asas de um anjo um momento, e o silêncio instalou-se ali, desajeitadamente, entre nós. Aos poucos, cobriu-nos. Aos poucos nos tornamos Ele, o silêncio:

A Víbora.

O que Éramos? O que Éramos antes de sermos um? Antes de...

Hoje entendo-o, porque não somos um. Nunca fomos. Nós somos o todo, o espaço. Somos apenas uma lacuna a espera de um complemento, um alento, uma carícia. Entendo-o porque sou igual a você, Víbora. Igual ao seu desejo incontrolável de ser o outro, de possuir o outro para entender-se. Para ser. Então não vejo condenados. Céus e infernos vivem em íntimo com nossas fraquezas, e por isso, estaremos sempre absolvidos. Não tema. Não quero prendê-lo nessa dimensão opaca e fria de um raciocínio. Quero libertá-lo.

Se hoje você prova do fruto mais doce, provo de mim o fluido para saber que estou viva. Quero o gosto do sangue. Quero ser Eu e gozar do gosto de meu ser, provando-me. Quero sentir-me para poder sentir o outro e suas infinitas faces. Seus infinitos gostos. Sem culpa, sem medo. Sou, agora, o início.

Foi assim: quando a vida sorriu, abundante e plena, estendeu-se no horizonte uma linha fina e branca chamada existência. Calmamente esta linha foi-se encolhendo, tomando forma, moldando-se delicadamente feito diamante, até estalar rígida e viva. Solitária e mãe. Solitária e plena. Você é homem com coração de menino. Brilha em seus olhos a inocência. Ressoa na redoma de vidro pintado, a voz.


Não queria ter perdido a inocência e tornando-me este ser marginalizado que sou. Uma vez com a inocência ferida, o que acreditava ser, deixou-me. E deixando-me, assim, completamente perdida em mim, a vida tomou novos ares: de quem conhece o outro lado. Mas você ainda pode, você ainda vive. Eu acreditava, e, depois de muito tempo, passo a acreditar novamente. Em nós nunca perdi a fé. Não, nunca. Mas agora preciso deixá-lo partir. Hoje acredito porque é assim que as pessoas fazem: elas acreditam para se salvarem. A solidão nos consome. Ser é não ser, não estar e não saber. Ser é o inverso do que achamos que é.

Para me salvar lanço-me num mar desconhecido e lá espero a onda arrastar-me novamente para a praia. Ou luto incansável contra a maré até entender-me, aí regresso. Dou-me por vencida, morta. A morte dos justos, dos culpados. Deixo que Ela me leve para Eu poder renascer novamente, linda e fria, feito chuva de outono. Renasço do mais puro ódio que sinto, do amor que me toma, e de paixão eu vivo, de paixão Eu sou Eu. E não me entendo. Não procuro e por isso ainda sei que vivo.
Se hoje a felicidade que sinto é causada pelo desejo do beijo, é porque libertei-me de ti e renasci novamente em mim. Nasci de mim mesma num parto doloroso chamado vida. Mas antes... Antes eu abortei nosso filho: esvaiu-se sem que eu quisesse, sangue e plasma, o que ainda tínhamos. Eu deixei morrer o que Éramos, e não soube responder o que Eu era antes. Naquele momento, Eu vi. Eu vi. E hoje não me culpo, não me julgo e não sei. Nem você sabe. Provei-me, então posso. É permitido ser livre e feliz. A liberdade é a forma mais sutil de aprisionamento. Prendo-me a isto até que do todo morra o agora e renasça o amanhã, frio e belo.
O hoje me aquece. O hoje me consome em fúria. O hoje é felicidade passageira, eterna e bela. O hoje é inquieto feito dia de domingo. Feito criança de colo. Feito nós: passageiros.

Mas tudo se desfaz. Tudo é tão incerto. É como a chuva de outono. É como dia de domingo. Renasci para um bem maior e não sei onde me encaixar. A vida que conheço não me cabe. O mistério absoluto que me ronda vai-se dissipando. E esse mistério é o amor. Quase posso tocá-lo, senti-lo, mas a cada passo que dou ele se afasta. Conheço-o, mas não o tenho. Não o possuo. Onde estaria senão em mim, procurando por ti, nas lembranças que poderiam ter sido - ou foram -, de certa maneira, vívidas?
Poderia desvelar tal mistério para que dele eu vivesse plenamente - mesmo sem poder tocá-lo -, mas prefiro a ilusão de um contentamento fugaz à verdade sobre sua inexistência.
O que existe é o agora, a saudade, o desejo e você, Liberdade. Prendo-me a ti para salvar-me. Deixo-me ludibriar, arder, fenecer se for preciso, mas quero-o intensamente.
E, quando não mais existir, direi:


sexta-feira, 14 de agosto de 2009