"Fiquei tão só, aos poucos. Fui afastando essas pessoas assim menores, e não ficaram muitas outras. Às vezes, nos fins de semana principalmente, tiro o fone do gancho e escuto, para ver se não foi cortado. Não foi."

terça-feira, 10 de maio de 2011


É estranho.

É monótono.

Sou Eu. Sim, Eu. Eu sou o agora e a idéia de ser o amanhã não me aquece. Não me apetece. Sigo-me no breu que só encontro em mim, e lá você reluz. Lá, você é luz pura de um sentimento. Luz pura de um sentimento. Um sentimento. Um momento, e já não Sou. Perco-me. Encontro-te. Sou, novamente, você. Sou tua luz. Luz que se esgueira no estreito de um relacionamento. No silêncio. No vício. Sobrevive.

Não posso mais, então jogo-me sem perdão no abismo do esquecimento.

Quando tuas mãos tocarem-me assim, lentamente, levantará o silêncio de um olhar, arfante de desejo, corrompido de amor, rasgando-me toda; fazendo-me sua. Então, quando a vida imperar seu grito calado, meus olhos também se calarão em peso de existência. Existo e logo não sei. Não sei. Não posso.

Foi assim: a noite cobriu-nos tenuemente com o véu de estrelas...

Sufoca-me. Deixa-me! Vá! que da vida tomo o cálice e bebo sua glória fingida; que do amor seja dado o último gole. Bebo pensamentos solitários.

Estou agora sozinha, ao lado de uma janela que perscruta o infinito que há do lado de fora de mim. Em meu íntimo, nebulosas guardam o mais puro segredo. Ouço vozes abafadas. Um estranho que habita em meu peito suplica pelo vôo livre. Quero libertá-lo da dor. Viver dói...

Um trago, dois goles, e estarei aí... Onde onde?

Abriu em grossas asas de um anjo um momento, e o silêncio instalou-se ali, desajeitadamente, entre nós. Aos poucos, cobriu-nos. Aos poucos nos tornamos Ele, o silêncio:

A Víbora.

O que Éramos? O que Éramos antes de sermos um? Antes de...

Hoje entendo-o, porque não somos um. Nunca fomos. Nós somos o todo, o espaço. Somos apenas uma lacuna a espera de um complemento, um alento, uma carícia. Entendo-o porque sou igual a você, Víbora. Igual ao seu desejo incontrolável de ser o outro, de possuir o outro para entender-se. Para ser. Então não vejo condenados. Céus e infernos vivem em íntimo com nossas fraquezas, e por isso, estaremos sempre absolvidos. Não tema. Não quero prendê-lo nessa dimensão opaca e fria de um raciocínio. Quero libertá-lo.

Se hoje você prova do fruto mais doce, provo de mim o fluido para saber que estou viva. Quero o gosto do sangue. Quero ser Eu e gozar do gosto de meu ser, provando-me. Quero sentir-me para poder sentir o outro e suas infinitas faces. Seus infinitos gostos. Sem culpa, sem medo. Sou, agora, o início.

Foi assim: quando a vida sorriu, abundante e plena, estendeu-se no horizonte uma linha fina e branca chamada existência. Calmamente esta linha foi-se encolhendo, tomando forma, moldando-se delicadamente feito diamante, até estalar rígida e viva. Solitária e mãe. Solitária e plena. Você é homem com coração de menino. Brilha em seus olhos a inocência. Ressoa na redoma de vidro pintado, a voz.


Não queria ter perdido a inocência e tornando-me este ser marginalizado que sou. Uma vez com a inocência ferida, o que acreditava ser, deixou-me. E deixando-me, assim, completamente perdida em mim, a vida tomou novos ares: de quem conhece o outro lado. Mas você ainda pode, você ainda vive. Eu acreditava, e, depois de muito tempo, passo a acreditar novamente. Em nós nunca perdi a fé. Não, nunca. Mas agora preciso deixá-lo partir. Hoje acredito porque é assim que as pessoas fazem: elas acreditam para se salvarem. A solidão nos consome. Ser é não ser, não estar e não saber. Ser é o inverso do que achamos que é.

Para me salvar lanço-me num mar desconhecido e lá espero a onda arrastar-me novamente para a praia. Ou luto incansável contra a maré até entender-me, aí regresso. Dou-me por vencida, morta. A morte dos justos, dos culpados. Deixo que Ela me leve para Eu poder renascer novamente, linda e fria, feito chuva de outono. Renasço do mais puro ódio que sinto, do amor que me toma, e de paixão eu vivo, de paixão Eu sou Eu. E não me entendo. Não procuro e por isso ainda sei que vivo.
Se hoje a felicidade que sinto é causada pelo desejo do beijo, é porque libertei-me de ti e renasci novamente em mim. Nasci de mim mesma num parto doloroso chamado vida. Mas antes... Antes eu abortei nosso filho: esvaiu-se sem que eu quisesse, sangue e plasma, o que ainda tínhamos. Eu deixei morrer o que Éramos, e não soube responder o que Eu era antes. Naquele momento, Eu vi. Eu vi. E hoje não me culpo, não me julgo e não sei. Nem você sabe. Provei-me, então posso. É permitido ser livre e feliz. A liberdade é a forma mais sutil de aprisionamento. Prendo-me a isto até que do todo morra o agora e renasça o amanhã, frio e belo.
O hoje me aquece. O hoje me consome em fúria. O hoje é felicidade passageira, eterna e bela. O hoje é inquieto feito dia de domingo. Feito criança de colo. Feito nós: passageiros.

Mas tudo se desfaz. Tudo é tão incerto. É como a chuva de outono. É como dia de domingo. Renasci para um bem maior e não sei onde me encaixar. A vida que conheço não me cabe. O mistério absoluto que me ronda vai-se dissipando. E esse mistério é o amor. Quase posso tocá-lo, senti-lo, mas a cada passo que dou ele se afasta. Conheço-o, mas não o tenho. Não o possuo. Onde estaria senão em mim, procurando por ti, nas lembranças que poderiam ter sido - ou foram -, de certa maneira, vívidas?
Poderia desvelar tal mistério para que dele eu vivesse plenamente - mesmo sem poder tocá-lo -, mas prefiro a ilusão de um contentamento fugaz à verdade sobre sua inexistência.
O que existe é o agora, a saudade, o desejo e você, Liberdade. Prendo-me a ti para salvar-me. Deixo-me ludibriar, arder, fenecer se for preciso, mas quero-o intensamente.
E, quando não mais existir, direi:


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